Vidas negras importam https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br HIstórias, denúncias e referências para quem quer aprender, mudar e se desconstruir Tue, 07 Dec 2021 12:41:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Grupo antipassaporte vacinal exibe cartaz nazista e chama vereadoras negras de empregadas em Porto Alegre https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/10/20/grupo-antipassaporte-vacinal-exibe-cartaz-nazista-e-chama-vereadoras-negras-de-empregadas-em-porto-alegre/ https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/10/20/grupo-antipassaporte-vacinal-exibe-cartaz-nazista-e-chama-vereadoras-negras-de-empregadas-em-porto-alegre/#respond Wed, 20 Oct 2021 22:42:51 +0000 https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/ESP6429-2-300x215.jpg https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/?p=180 Um grupo de manifestantes contrários ao passaporte da vacina na cidade de Porto Alegre exibiu pelo menos um cartaz que faz apologia ao nazismo no plenário da Câmara Municipal nesta quarta (20). Um integrante do grupo, que pedia o veto ao projeto, chamou vereadoras negras de empregadas.

A confusão aconteceu durante a discussão que antecedeu a votação que decidiria se o veto do prefeito de Porto Alegre ao passaporte da vacina seria mantido ou derrubado.

 

Tudo começou após o presidente em exercício, Idenir Cecchim (MDB), determinar a remoção de um homem que exibia um cartaz com apologia ao nazismo no plenário. O cartaz exibia a suástica e trazia imagens de braços de pessoas e o desenho de uma seringa sob o sinal de “proíbido”.

O homem não foi retirado pelos seguranças de pronto, segundo o vereador Matheus Gomes (PSOL), que reagiu tomando do homem o cartaz.

Somente então os seguranças teriam intervido e a confusão escalou até que a sessão fosse interrompida enquanto os manifestantes fossem removidos do local.

Confusão entre manifestantes contrários a passaporte vacinal, vereadores e seguranças levou sessão a ser interrompida – Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA

Após a saída do grupo do plenário, a votação foi retomada e, por 18 votos a 14 (e duas abstenções), o veto ao passaporte vacinal foi mantido.

Racismo e apologia ao nazismo

Durante a confusão, pelo menos duas vereadoras, Tássia Amorim e Bruna Rodrigues, ambas do PCdoB, foram chamadas de empregadas por uma manifestante. Rodrigues, que é presidente do partido em Porto Alegre, publicou em suas redes sociais um vídeo que mostra o momento.

“Infelizmente, ouvimos hoje aqui na Câmara o que estamos acostumadas a ouvir desde muito tempo. Ser chamada de “empregada”, de “lixo” é mais uma manifestação de um racismo que tenta desqualificar a todo momento a nossa chegada na Câmara”, escreveu.

Amorim afirma ter sido agredida por manifestantes e publicou em sua conta no Instagram fotos que mostram arranhões sobre a pele nos braços.

Vereadora Tássia Amorim mostra arranhões que afirma serem fruto de agressões dos manifestantes contrários ao passaporte vacinal
Vereadora Tássia Amorim mostra arranhões que afirma serem fruto de agressões dos manifestantes contrários ao passaporte vacinal – Foto: Reprodução

Para Matheus Gomes, o que aconteceu na Câmara Municipal “foi apologia explícita ao nazismo dentro de uma instituição democrática”.

Gomes afirma que havia homens trajando camisetas com a bandeira de Gadsen, que tem fundo amarelo e mostra uma cascavel em posição de ataque. A bandeira é um símbolo americano de amor à pátria adotado na revolução americana.

Atualmente, é utilizada por grupos de extrema direita americanos, tendo sido vista inclusive entre manifestantes que invadiram o Capitólio no dia 6 de janeiro deste ano, culminando na morte de cinco pessoas.

“Em nome do negacionismo e contra o passaporte vacinal, disseminaram o ódio racial e tentaram intimidar vereadores e vereadoras em Porto Alegre”, diz.

À Folha, Gomes disse que os vereadores já obtiveram junto aos órgãos responsáveis da Câmara Municipal a identificação dos manifestantes e que vão encaminhar a denúncia à Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância.

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Narloch distorce trabalho de historiadores para defender negacionismo da escravidão https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/09/30/narloch-distorce-trabalho-de-historiadores-para-defender-negacionismo-da-escravidao/ https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/09/30/narloch-distorce-trabalho-de-historiadores-para-defender-negacionismo-da-escravidao/#respond Thu, 30 Sep 2021 11:45:10 +0000 https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/vidas-negras-30-09-2021-foto-de-Danilo-Verpa_Folhapress-2-300x215.jpg https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/?p=170 O jornalista Leandro Narloch escreve em sua coluna “Luxo e riqueza das ‘sinhás pretas’ precisam inspirar o movimento negro” que “ativistas” deveriam se insipirar em sinhás pretas usando uma lógica liberal e meritocrática.

O texto sugere que os meus ancestrais, escravizados pelos ancestrais de homens brancos como o próprio Narloch, não conquistaram suas alforrias durante o período escravocrata por não terem trabalhado duro o suficiente para ter dinheiro que pagasse por sua liberdade.

Narloch lembra, com razão, que havia mulheres negras que tinham escravos, mas o faz por meio da exceção à regra.

“Ele pega as exceções, as retira do contexto e reforça a aceestrutura racista. Isso está não só no que ele diz, mas na forma como diz. O problema é ele tirar as exceções do seu lugar de exceções”, diz Ynaê Lopes dos Santos, doutora em história pela USP e especialista em história da escravidão nas Américas.

Ao sugerir que casos de mulheres negras ricas com escravos “certamente não eram raros”, o colunista deslegitima toda a história dos povos negros brasileiros e abre margem, por exemplo, para a supressão de políticas afirmativas sob a luz de uma suposta democracia racial.

“Aonde Narloch quer chegar? Ele quer deslegitimar a luta do movimento negro hoje. No limite, ele quer implodir com a política exitosa de ações afirmativas. Ele quer colocar isso em xeque do ponto de vista da legitimidade. Ele está politizando a leitura do passado para promover o embate com a luta racial hoje”, diz Petrônio Domingues, historiador, professor da UFS (Universidade Federal de Sergipe) e autor de “Protagonismo Negro em São Paulo” (ed. Sesc-SP).

As exceções às quais se apega o colunista confirmam a regra e, não somente, são tiradas de contexto por meio do trabalho de outros pesquisadores.

“Narloch utiliza uma pesquisa minha para a construção de um dos capítulos de seu livro ‘Escravos’. O livro é feito a partir do trabalho de outros pesquisadores, e Narloch seleciona [apenas] histórias que são quase exceções dentro do processo escravista no Brasil, como escravos que tinham escravos”, diz Juliana Farias, doutora em história pela USP, em participação no podcast “Humanas – Pesquisadoras em Rede”.

À Folha, Farias reiterou sua fala no podcast, “é um resumo [do que penso]”.

Professora-adjunta na UNILAB e do Programa de Mestrado em Estudos Africanos, Populações Indígenas e Culturas Negras da UNEB, além de ter pós-doutorado em História da África pela Universidade de Lisboa, Farias critica o uso das suas pesquisas por Narloch que, segundo ela, as tira de contexto “se apropriando de um trabalho de pesquisa para fins ideologicamente orientados”.

Domingues ressalta que as sinhás pretas de fato existiram, mas que não é possível dimensionar a representatividade do grupo. “O que as pesquisas comprovaram é que era um grupo minoritário. É capciosa a narrativa de Narloch porque ele tenta inverter e generalizar”, afirma.

De maneira similar, é possível notar que o trabalho do antropólogo Antonio Risério também é desvirtuado, uma vez que o próprio antropólogo reconhece que as histórias contadas em seu livro não foram suficientes para aplacar as desigualdades sociais brasileiras no período, como aponta a reportagem de João Gabriel Telles para a Ilustrada.

O argumento de que as sinhás pretas enriqueceram e assim superaram o preconceito também carece de evidência que o sustente. “Isso é puro anacronismo. Ele disse que as sinhás pretas ascendiam e eliminavam o preconceito. A mobilidade social não eliminava o preconceito. Isso é mentira”, afirma Domingues.

Manifestantes protestam em frente à Assembleia Legislativa do RJ contra a política de segurança do governo, no Rio de Janeiro. O ato acontece após a menina Ágatha Félix ser morta por uma bala perdida. 23.set.2019 | Foto: Ricardo Borges

Já para Santos, o fato de negros terem tidos escravos não muda a história da escravidão no Brasil. Ao contrário, a reforça. Para a historiadora, Narloch analisa o movimento negro e a escravidão de forma simplista.

“Ele está fazendo isso num espaço de privilégio que ele sabe, conscientemente, que tem. O que ele faz é o uso desonesto das pesquisas científicas feitas por historiadores. Ele reduz o movimento negro ao simplismo porque é a forma como ele consegue enxergar o movimento negro. Narloch faz uso da supremacia branca e tem a ousadia de nesse lugar falar pelo movimento negro”, conclui.

Sempre haverá entre nós, negros ou brancos, aqueles que discordam, que agem de má fé ou que nem sequer se importam o bastante para pensar a respeito de qualquer coisa. Na Folha, já houve avanços na discussão sobre a complexidade dos movimentos negros ao longo da história. Faria bem a Narloch ler o jornal para o qual escreve.

Leia mais sobre a desigualdade racial no Brasil:

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Negros são menos de 5% dos indicados ao Prêmio Comunique-se, o Oscar do jornalismo brasileiro https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/06/25/negros-sao-menos-de-5-dos-indicados-ao-premio-comunique-se-o-oscar-do-jornalismo-brasileiro/ https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/06/25/negros-sao-menos-de-5-dos-indicados-ao-premio-comunique-se-o-oscar-do-jornalismo-brasileiro/#respond Fri, 25 Jun 2021 23:12:00 +0000 https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/ViewImage-300x215.jpg https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/?p=99 O Prêmio Comunique-se divulgou no último dia 14 de junho os indicados em suas 27 categorias. Dos 214 comunicadores, somente 10 são negros, o equivalente a 4,7%, segundo levantamento feito pela Folha.

A jornalista Flávia Oliveira, colunista do O Globo e da rádio CBN e comentarista na GloboNews, foi a única pessoa negra a ser indicada em mais de uma categoria. Ela concorre nas categorias “mídia escrita” e “mídia falada” de Economia.

Em contrapartida, apenas oito comunicadores não negros somam 27 indicações. Os mais indicados são Natuza Nery (Globo), Nathalia Arcuri (RedeTV) e Guilherme Fiuza (Jovem Pan), com quatro indicações cada.

Dentre os oito mais indicados, cinco integram emissoras ou veículos valorizadas pelo presidente Jair Bolsonaro como Jovem Pan, RedeTV e Record.

Apesar de os vencedores serem escolhidos por votação popular, os indicados são escolhidos pela equipe da empresa Comunique-se S.A. Na prática, se a empresa não indicar um profissional, ele não poderá ser escolhido pelo público de nenhuma outra maneira.

O regulamento da premiação, disponível no site, informa que “os profissionais de comunicação que concorrerão ao Prêmio serão indicados primeiramente pela equipe do Comunique-se, com base nas indicações feitas pelos internautas por meio da votação no Portal Comunique-se e na página do Prêmio Comunique-se“.

O público apenas poderá votar para escolher entre os indicados três finalistas para cada categoria e, posteriormente, os 27 premiados. O resultado da votação é auditado, segundo o regulamento, por uma empresa independente.

Procurada, a Comunique-se não respondeu aos questionamentos até a publicação deste texto.

Entre os mais indicados, em três categorias, está o jornalista Augusto Nunes, que nesta quarta (24) disse em comentário ao vivo na Rádio Jovem Pan que “até a tonalidade da pele” indicaria que o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) mentiu ao falar sobre irregularidades nas negociações de compra da vacina Covaxin contra Covid-19 pelo governo federal.

De acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Miranda se declarou em 2018 como sendo branco.

“Todos os casos, inclusive essa evidente fraude ensaiada pelo deputado, seu irmão, Renan Calheiros e etc. As imagens que nós mostramos, elas falam. Nessas imagens, o rosto fala, os olhos falam, o tom de voz, o timbre, tudo fala. Até a tonalidade da pele e tal. É evidente que o Onyx, um político muito tarimbado, está falando a verdade”, disse Augusto Nunes.

Pelo comentário em vídeo (veja abaixo), não há como afirmar que a fala teve cunho racista, embora tenha sido interpretada por usuários nas redes sociais dessa maneira.

O jornalista disse à Folha que já no começo do comentário expressou que “o rosto fala, fala com o olhar inseguro, por exemplo. Ou com a boca ressecada. Ou com a tonalidade da pele. Quem mente corre o risco de ficar ruborizado, com a pele avermelhada. Quando me exponho ao sol por muito tempo, meu rosto adquire uma tonalidade bronzeada”.

Para Nunes, “quem vê racismo nesta constatação (sem ficar ruborizado) precisa de psiquiatra”.

Veja algumas das publicações de usuários que demonstraram incômodo e apontaram racismo na fala do jornalista, veja:

A forma como Nunes se expressou, porém, não foi percebido da mesma maneira por todos. Alguns usuários, por exemplo, não viram racismo neste caso:

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Casal branco do Leblon pode ser enquadrado por calúnia e racismo, avaliam especialistas https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/06/15/casal-branco-do-leblon-pode-ser-enquadrado-por-calunia-e-racismo-avaliam-especialistas/ https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/06/15/casal-branco-do-leblon-pode-ser-enquadrado-por-calunia-e-racismo-avaliam-especialistas/#respond Tue, 15 Jun 2021 18:12:28 +0000 https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/WhatsApp-Image-2021-06-15-at-13.11.46-300x215.jpeg https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/?p=87 Reportagem: Rebeca Oliveira

Matheus Pereira, negro, instrutor de surf, esperava a namorada na tarde de sábado (12) em frente ao Shopping Leblon, no Rio de Janeiro, quando foi abordado por um casal branco que o acusou de roubar sua própria bicicleta elétrica. Se denunciado, o casal poderia ser enquadrado em crimes como calúnia e racismo.

O caso repercutiu rapidamente nas redes sociais. Na publicação que viralizou, Pereira diz ter tentado provar que a bicicleta era dele, com fotos antigas e a chave do cadeado. O casal só recuou na acusação depois de não ter conseguido abrir o cadeado da bicicleta com a chave que tinha. Ao notar que estava sendo filmado, o rapaz alegou que “não estava acusando, só estava perguntando”.

“São coisas que encabulam o racista. Eles não conseguem entender como você está ali sem ter roubado dele, não importa o quanto você prove”, disse Pereira.

O caso de Pereira não é isolado. Pessoas negras não raro são acusadas de furto quando aparecem publicamente com posses que, para os racistas, parecem fora de seu alcance financeiro. O ex-jogador de futebol Zé Roberto revelou em entrevista recente ao podcast PodPah que decidiu vender seu carro por ser constantemente abordado por policiais.

“Sem sacanagem, eu era parado pela polícia três vezes. Se eu não era parado, os caras [policiais] me seguiam e, quando eu chegava na porta da casa dela [de sua namorada], os caras: ‘Mão para cabeça! Sai [do carro]’! De quem é o carro?’. Isso foi muito constrangedor para mim. Isso fez com que eu vendesse o carro em três meses porque eu não tinha sossego ”, contou.

Levantamento feito pela Folha para a série Inocentes Presos mostra que das 100 pessoas presas injustamente cujo caso foi revelado pelos repórteres, 60 eram negras.

As duas principais causas para as prisões são reconhecimento incorreto (42 casos) e identificação incorreta (25 casos). Soa familiar? É porque é. O levantamento indica que negros são incorretamente reconhecidos em 71,5% dos casos contra 28,5% dos brancos.

Para o advogado voluntário do Educafro Iraupuã Santana o vídeo divulgado por Matheus revela dois crimes: calúnia e racismo. “O vídeo mostra a acusação de um furto que não ocorreu, o que constitui crime de calúnia, que é atribuir a outra pessoa um crime que não foi cometido. Mas também precisamos entender que isso somente aconteceu mediante racismo. Somente foi atribuído o crime porque o jovem em questão era negro.”

“É importante ressaltar aqui que a configuração como crime serve também para dar o devido nome a essas violências e agressões cotidianas, em especial contra jovens negros, que são reiteradamente normalizadas por uma sociedade que pensa que pode questionar o lugar, a propriedade e a liberdade de pessoas negras”, explica Thiago Amparo, advogado e colunista da Folha.

Os dois advogados avaliam que Matheus agiu corretamente em registrar o acontecido, já que a gravação se torna uma prova em eventual ação judicial. Além dos crimes de calúnia e racismo, o vídeo mostra que o casal tomou o cadeado em mãos e tentou inserir a própria chave para provar que a bicicleta era roubada.

“A tecnologia ajuda muito nesses casos de injúria racial e racismo. A situação deixa de ser a palavra de um contra outro”, diz Santana. “Além do uso em caso de ação penal, também tem um teor educativo. As pessoas têm que parar de achar que têm direito de questionar pessoas negras pela roupa que usam, pelo carro que dirigem ou por estarem perto de bicicletas elétricas.”

Segundo Amparo, o crime de calúnia pode ser denunciado somente por Matheus. Mas, caso haja o entendimento de que o caso se trata de uma ofensa ao grupo de pessoas negras como um todo, o Ministério Público pode entrar com ação penal contra o casal.

Identificado como Tomás Oliveira, o jovem branco no vídeo que acusa Pereira de roubar a bicicleta foi demitido pela Papel Craft, empresa em que trabalhava. Nas redes sociais, a empresa respondeu a comentários sinalizando o desligamento de Oliveira do quadro de funcionários. A Papel Craft disse à Folha que não se posicionaria sobre o assunto por enquanto.

Mariana Spinelli, professora do estúdio de dança Espaço Vibre e que aparece no vídeo com Oliveira, também foi demitida. Em publicação nas redes sociais a empresa disse não compactuar com racismo. “Repudiamos veementemente toda forma de discriminação e reafirmamos que o Vibre é um espaço que pratica e preza pelo respeito e pela inclusão”, diz o comunicado.

A reportagem não conseguiu contato com Oliveira ou Spinelli.

Colaborou: Matheus Moreira

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Nossa vivência em forma de arte é nossa arma, diz Karol Conká https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/05/26/nossa-vivencia-em-forma-de-arte-e-nossa-arma-diz-karol-conka/ https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/05/26/nossa-vivencia-em-forma-de-arte-e-nossa-arma-diz-karol-conka/#respond Wed, 26 May 2021 03:08:02 +0000 https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/WhatsApp-Image-2021-05-25-at-16.43.50-300x215.jpeg https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/?p=36 Um ano após morte de George Floyd, convidados para lives na Folha avaliam que apesar de avanços no combate ao racismo ainda há um longo caminho pela frente

 

A cada 23 minutos um jovem negro morre violentamente no Brasil. Essa frase não é nova, mas resume a realidade dos jovens brasileiros. 

Nesta terça (25), data em que há um ano George Floyd, um homem negro, foi assassinado nos EUA por um policial branco, Derek Chauvin, a Folha realizou uma série com quatro lives com o mote Vidas Negras Importam. O objetivo era analisar como o caso Floyd, que ganhou o mundo e gerou protestos concomitantes em quase 50 países, impactou o Brasil, país de luta e resistência negras que só começam a ser reconhecidas pela imprensa na última década.

O primeiro bate-papo, cujo tema foi sistema penitenciário, foi conduzido pelo repórter Jairo Malta. Um dos temas recorrentes quando o assunto é o aprisionamento é a ressocialização das pessoas privadas de liberdade após o cumprimento da pena. 

“Até tem trabalho para fazer lá dentro [da prisão]. Costurar uma bola, fazer um artesanato, mas quando o preso sai, que emprego ele vai ter? Vai costurar bola?”, questiona o rapper Christian de Souza Augusto, conhecido como Afro-X, que participou do debate. 

Cena da live Vidas Negras Importam - Sistema Penitenciário com Jairo Malta, Afro-X e Preto Zezé - Foto: Matheus Moreira
Cena da live Vidas Negras Importam – Sistema Penitenciário com Jairo Malta, Afro-X e Preto Zezé – Foto: Matheus Moreira

Afro-X parte da sua própria experiência no sistema prisional para analisar como a ressocialização nos moldes atuais se traduz na prática.

“Pulam-se os passos para uma sociedade democrática, que é trabalhar os requisitos básicos que estão na nossa Constituição, como direito à moradia, direito a oportunidades e outros requisitos. Quando você não assegura esses direitos, é muito difícil de se falar em ressocialização”, argumentou o rapper. “Se a socialização não funciona, a ressocialização será repleta de iniciativas tímidas, ainda que sejam relevantes”.

A música foi o ombro amigo do rapper durante o encarceramento, ocasião em que nasceu o 509-E. “Prova viva que, mesmo diante de uma estatística, é possível recuperar as pessoas”. 

A dupla com o rapper Dexter foi formada no início dos anos 2000, no presídio do Carandiru, como parte de um movimento que nasceu dentro da prisão para reivindicar os direitos dos detentos e o nome 509-E marca o registro da cela em que estavam presos.

o empresário e presidente da Cufa (Central Única das Favelas), Preto Zezé, que também participou da live, ressalta outro aspecto, este que corre paralelamente ao encarceramento. Para ele, o foco em repressão e policiamento ostensivo por parte dos agentes de segurança pública é um dos motivos pelos quais tantos jovens negros morrem em decorrência de operações policiais.

 “Não são só os criminosos que morrem, o Brasil é um dos países que mais mata policiais também. Todos perdem nessa guerra“, afirma.

A situação é complexa, em especial quando considerado o caráter estrutural do racismo no Brasil, que atinge também a imprensa, por exemplo. 

Para a jornalista, doutora em comunicação e professora universitária Rosane Borges, a cobertura do assassinato de George Floyd pelos jornais brasileiros foi errática. Ela aponta que ao mesmo tempo em que os jornais trataram o caso como consequência de racismo estrutural e policial, também individualizaram as responsabilidades pelo ocorrido. “Ora, a imprensa tem que se decidir, ou é culpa da banda podre [da polícia] ou é consequência do racismo estrutural”, disse. Isso se repete, ainda segundo ela, com os casos brasileiros como o de Beto Freitas, morto por um segurança do supermercado Carrefour em 20 de novembro de 2020, em Porto Alegre. 

Borges participou da segunda live do dia, sobre mídia e comunicação. De acordo com a comunicóloga, não é difícil observar mudanças na atuação dos principais jornais do país, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.

Na GloboNews, por exemplo, um time de repórteres e apresentadores negros de peso ocupou a tela das televisões brasileiras após críticas do público a um programa em que a pauta era racismo cujo convidados eram todos brancos. Para Borges, apesar da presença negra ter apresentado uma explosão nas semanas que se seguiram a morte de Floyd, o momento passou e a presença negra arrefeceu. 

Diferente da imprensa americana, a brasileira não dá nome às situações que envolvem racismo e pessoas negras, na avaliação de Yasmin Santos, jornalista e editora-assistente do Nexo Jornal. 

“A imprensa americana dá nomes às coisas. A imprensa brasileira usa indicadores sociais como ‘homem negro’ para os EUA, mas e o Brarsil? No mesmo mês da morte de Floyd tivemos João Pedro, que só ganhou destaque depois da morte de Floyd. Nós não temos casos no Brasil? A taxa de letalidade policial no nosso país é muito superior a dos EUA. Em 2019, a polícia brasileira matou 17x mais que a americana.” 

Mas afinal, o que há de diferente na morte de Floyd que causou comoção e levou quase 50 países a registrarem protestos do Black Lives Matter? 

Para Manoel Soares, jornalista, apresentador do É de Casa na TV Globo e cofundador da Cufa (Central Única das Favelas), uma das possibilidades é a brutalidade. “Quando pessoas que estão acreditando na sua humanização veem uma pessoa parecida com elas sendo abatida como um animal, isso gera a comoção que vimos. Não conseguimos respirar junto com Floyd. O sufocamento, a chicotada do meu ancestral, foi passada geneticamente para mim”, disse. 

O apresentador sugere que a morte de Floyd comoveu também tantas pessoas brancas ao redor do mundo porque “quando o branco viu de maneira explicita a crueldade quase instantanea praticada por alguém que parecia com eles [contra um homem negro], o povo branco viu a selvageria que recai sobre nós. Eles olharam para o monstro e viram que se parece com seus tios, avós, irmãos”.

A morte de Floyd parece ter sido um novo estopim para novas mudanças há tanto tempo exigidas pelas populações negras americana e brasileira. No ambito legal, por exemplo, a condenação de Derek Chauvin, ainda sem sentença, pelo assassinato de Floyd pode mudar a maneira como casos similares serão julgados. 

O tema foi assunto da terceira live do dia, sobre sistema judiciário e as semelhanças e diferenças legais entre o Brasil e os EUA. Felipe Freitas, pesquisador do Núcleo de Justiça Racial da FGV, foi o convidado para a conversa.

Cena da live Vidas Negras Importam - Sistema Judiciário com Felipe Freitas - Foto: Matheus Moreira
Cena da live Vidas Negras Importam – Sistema Judiciário com Felipe Freitas – Foto: Matheus Moreira

Para Freitas, uma das diferenças legais mais significativas entre os dois países no que se refere à questão racial é a rapidez com que o caso George Floyd teve um desfecho. “É uma justiça que consegue dar respostas em uma velocidade diferente da que temos no Brasil. E isso faz toda a diferença, pois um direito que tarda tem pouca ou nenhuma efetividade na vida concreta das pessoas”, diz.

A dificuldade de visibilizar as conquistas que o movimento negro consegue na institucionalidade faz com que vejamos com muito mais destaque a Lei George Floyd do que, por exemplo, a mobilização do Jacarezinho após a ocorrência da chacina, segundo o pesquisador.

Além disso, Freitas aponta que falta inteligência e preparo da polícia e sugere que a situação seja contornada pelo melhor aparato legal. 

Em dezembro de 2020, o Conselho Federal da OAB aprovou duas iniciativas importantes para as próximas eleições da entidade: a paridade de gênero e a política de cotas raciais de 30% para pretos e pardos. Segundo Freitas, a iniciativa é relevante, mas há o risco do percentual se transformar em um teto para a presença de negros nesses conselhos.

“As políticas de cotas são sempre uma obrigação e nada mais. A pergunta seguinte que precisa ser feita é: o que as instituições farão com isso? O que a OAB vai fazer para estar a altura das mulheres e homens negros que ingressam e contribuem para o seu aprimoramento?”, conclui Freitas.

Na cultura, negros conquistaram espaço cantando suas realidades em ritmos historicamente relegados às periferias, mas que ganham, graças a internet, novos públicos de norte a sul. 

É o caso do DJ e funkeiro Rennan da Penha, um dos idealizadores do tradicional Baile da Favela, que é mencionado em muitos versos de funk, e que participou da última live do dia, conduzida pelo repórter Amon Borges. Para ele, a música abre portas.

Rennan lembra que a violência é algo pelo que ele passa há anos. “Entra ano e sai ano e nada muda […] Quem é da comunidade sabe que a gente vive em busca da paz”, afirma. “O que aconteceu com George Floyd, da abordagem agressiva, já aconteceu com amigos, aconteceu comigo. Isso só ganhou destaque depois que vimos o que aconteceu com Floyd de forma brutal”, diz o funkeiro.

Cena da live Vidas Negras Importam - Cultura com Amon Borges, Karol Conká e Rennan da Penha - Foto: Matheus Moreira/Folhapress
Cena da live Vidas Negras Importam – Cultura com Amon Borges, Karol Conká e Rennan da Penha – Foto: Matheus Moreira/Folhapress

A rapper Karol Conká diz também acreditar na arte como oportunidade para conquista de espaços por negros. Ambos os cantores, no entanto, ressaltam que, apesar de haver maior presença de negros no cenário artístico, ainda há um longo caminho a ser percorrido. 

“Nossa vivência em forma de arte é nossa arma, por assim dizer. A música, além de abrir portas, ela faz a mente chegar além do que a vista alcança. […] As redes sociais colaboram muito para isso, para ocuparmos esses espaços”, diz Karol Conká. 

“Nós sabemos muito mais sobre os brancos do que eles sabem sobre nós, os negros. Eles tentam nos moldar para aparecer na mídia, para ter empregos”, diz a curitibana. “O nosso jeito negro não cabe nesses lugares e por isso temos que falar sobre isso. Temos vivências que não estão nos livros, não são ensinadas nos colégios”, afirma a rapper, que trabalha em um novo álbum após o confinamento no BBB 21.

Texto: Matheus Moreira, Priscila Camazano, Amon Borges e Jairo Malta

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Um ano da morte de George Floyd: Folha fará quatro lives no Instagram nesta terça (25) https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/05/24/um-ano-da-morte-de-george-floyd-folha-fara-quatro-lives-no-instagram-nesta-terca-25/ https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/05/24/um-ano-da-morte-de-george-floyd-folha-fara-quatro-lives-no-instagram-nesta-terca-25/#respond Mon, 24 May 2021 18:44:32 +0000 https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/Floyd-300x215.jpg https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/?p=20 A Folha realizará nesta terça (25) uma série de lives no Instagram para discutir sistema penitenciário, mídia e comunicação, sistema judiciário e cultura. Os temas serão abordados sob o prisma do assassinato de George Floyd. 

Há um ano, em 25 de maio de 2020, o mundo viu, por 9 minutos e 29 segundos, Floyd ser morto por um policial branco, Derek Chauvin, em Minneapolis, nos EUA. 

Não é exagero dizer que o assassinato impactou centenas de milhares de pessoas em todo o planeta. Pesquisadores, advogados, artistas e repórteres convidados discutirão se o impacto se traduziu em mudanças pontuais ou estruturais. 

Como a arte reagiu à morte de Floyd? O julgamento de Chauvin tem mesmo o poder de mudar a forma como casos de violência policial por racismo são julgados nos EUA? E no Brasil? Há perspectivas de mudanças no sistema judicial? E no sistema penitenciário? Os jornais mudaram a forma de abordar violência de Estado contra a população negra? Se sim, o que mudou? Se não, por que não? E as mídias sociais? Telas pretas escurecendo as timelines do Instagram são protesto ou busca por acalmar a própria consciência? Debates sobre temas complexos nas redes são frutíferos ou vazios de significado? 

Diante de questões tão múltiplas e complexas, Jairo Malta, fotógrafo e designer da Folha, e os repórteres Amon Borges, Priscila Camazano e Matheus Moreira, montaram um time de peso para esse 25 de maio. Confira os horários das lives, temas e convidados abaixo.

 

14h – Sistema penitenciário

  • Jairo Malta – designer, fotógrafo e autor do blog Sons da Perifa na Folha
  • Afro X – cantor, compositor do 509-E, que leva o nome da cela em que ficou preso no Carandiru 
  • Preto Zezé – criador e presidente da Cufa (Central Única das Favelas), empresário e produtor artístico
  • Joel Luiz Manoel –  advogado de Jacarezinho, palestrante e membro da CDH/RJ
Arte: Jairo Malta/Folhapress

15h30 – Mídia e comunicação

  • Matheus Moreira – repórter e autor do blog Vidas Negras Importam na Folha; Cofundador do Prêmio Neusa Maria de Jornalismo para negros, indígenas e pessoas trans
  • Rosane Borges –  jornalista, doutora e mestre em ciências da comunicação pela USP, professora colaboradora do Colabor da ECA-USP. Ex-coordenadora nacional do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra (CNIRC), da Fundação Palmares, órgão do Ministério da Cultura. 
  • Yasmin Santos – jornalista pela UFRJ e pós-graduanda em direitos humanos e responsabilidade social pela PUC-RS. É editora-assistente do Nexo Jornal e foi repórter da revista piauí
  • Manoel Soares –  jornalista e apresentador do programa É de Casa, na TV Globo. Ativista social e cofundador da Central Única das Favelas.
Arte: Jairo Malta/Folhapress

18h – Sistema judiciário

  • Priscila Camazano – repórter da Folha, é formada em ciências sociais pela PUC-SP
  • Thiago Amparo – advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação. Colunista da Folha.
  • Valéria Lúcia dos Santos – advogada cível.
Arte: Jairo Malta/Folhapress

21h – Cultura

  • Amon Borges – repórter da Folha e autor dos blog Inteligência de Mercado e Lineup no jornal
  • Karol Conká – cantora
  • Rennan da Penha – DJ de funk, que foi preso acusado de associação com o tráfico
Arte: Jairo Malta/Folhapress
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Jovem negro morre após ser baleado por PM e ter socorro por familiares negado https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/05/13/jovem-negro-morre-apos-ser-baleado-por-pm-e-ter-socorro-por-familiares-negado/ https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/05/13/jovem-negro-morre-apos-ser-baleado-por-pm-e-ter-socorro-por-familiares-negado/#respond Thu, 13 May 2021 23:00:12 +0000 https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/Victor-dos-Santos-Lima-1-300x215.jpg https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/?p=13 Cerca de 20 pessoas estavam reunidas entre as vielas 12 e 16 da Favela do Lamartine, em Santo André, no ABC Paulista, na noite em que o ajudante de pedreiro Victor dos Santos Lima, 22, morreu após ser baleado pelo policial militar Bruno Palagano Pereira, 30.

Ana Cristina dos Santos Vitorino, 45, mãe de Victor, disse à Folha que chegou ao local cerca de 15 minutos após o filho ter sido baleado e que nada pôde fazer porque os policiais a impediram de prestar socorro.

Ela afirma também que seu filho permaneceu sangrando por cerca de duas horas até a chegada de uma ambulância do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência).

“Eu pedi para ver o meu filho, não deixaram. [O policial] Me respondeu com palavras de baixo calão. Eu abaixei a cabeça. Só pedia para que pelo amor de Deus deixassem eu ver o meu filho. Mataram ele covardemente. Mesmo que ele estivesse errado, não é assim. Estão mentindo. Disseram que foi apenas um tiro, mas no vídeo dá para ver que foi mais”, disse.

Em um vídeo obtido pela família (veja abaixo) é possível ouvir pelo menos dois disparos consecutivos. Mas, no boletim que relata a ocorrência, consta o registro de apenas um disparo no local.

Ana Cristina afirma ainda que o filho deixou o local já sem vida. O boletim de ocorrência, no entanto, indica que Victor teria morrido a caminho do Centro Hospitalar Municipal de Santo André.

Victor era uma das pessoas reunidas que conversavam e ouviam música entre as vielas 12 e 16 quando uma patrulha da Polícia Militar abordou de forma truculenta um jovem de cerca de 19 anos que, segundo testemunhas, tem transtornos mentais e é conhecido na região. Os policiais disseram que o jovem transportava “porção considerável de drogas”.

Os ânimos se exaltaram quando os moradores ouviram de um policial que o jovem abordado seria levado para a represa Billings, que na região é conhecida apenas como “a represa” e como um local de desova de corpos.

De acordo com o depoimento dos PMs, registrado em boletim de ocorrência na madrugada do dia 13 de março, o jovem chegou a ser algemado, mas fugiu após moradores impedirem que ele fosse levado.

Na confusão, ainda segundo versão oficial da PM, um dos policiais, Felipe Matheus de Oliveira da Silva, 25, foi atingido por uma pedra. No vídeo é possível ver o momento e a reação do policial, que usou gás de pimenta para afastar os moradores. Foi durante a confusão que o policial Bruno Palagano disparou contra Victor.

Sobre a droga encontrada com o jovem, a polícia ainda não esclareceu a quantidade e nem se, de fato, ela estava em sua posse.

Uma testemunha, que não quis se identificar, afirmou que os policiais ameaçaram o jovem que tinha transtornos mentais e que os moradores, então, tentaram defendê-lo. O rapaz, segundo pessoas ouvidas pela reportagem, era amigo de infância de Victor. O que teria alarmado o grupo e motivado a reação foi o receio de que o jovem tivesse o mesmo destino de outro morador da região morto em 2019 e cujo corpo teria sido desovado na represa.

Em fevereiro de 2019, o corpo de Lucas Eduardo Martins dos Santos, 14, que morava na Favela do Amor, próxima a Favela do Lamartine, foi encontrado boiando dois dias depois de ter desaparecido, trajando apenas uma cueca e meias. Segundo familiares, na última vez em que foi visto vivo, o adolescente estava sendo abordado por um um grupo de policiais militares.

Para Jaqueline Aparecida Silva Alves Correa, advogada e articuladora da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, organização que acompanha o caso de Victor, o boletim de ocorrência contém inconsistências grotescas.

Correa cita, por exemplo, o sumiço da droga que teria sido apreendida antes da confusão. “Se a polícia já havia feito a prisão da primeira pessoa e apreendido uma pochete de drogas, onde foram parar essas drogas? No vídeo, o menino está no chão e quando ele corre não é possível ver nada. Por que as drogas não foram relatadas no boletim de ocorrência?”, questiona.

A Rede é uma organização que une movimentos sociais, profissionais e moradores das periferias de São Paulo na busca por proteção contra violência de estado.

A Folha acompanhou uma manifestação organizada pela Rede de Proteção e junto com a família de Victor. Os presentes pediam a apuração do caso e a responsabilização dos policiais envolvidos. A mãe de Lucas Eduardo estava presente.

Durante a manifestação, pelo menos dez viaturas em carreata deram voltas na praça e seguiram os manifestantes a distância durante todo o trajeto (veja a carreata abaixo).

Victor é mais um jovem negro morto pela polícia. O seu caso, como os demais registros de violência nas periferias do Brasil, começa numa abordagem policial —que possui regras para ser executada.

Outro lado

A reportagem enviou, no dia 17 de abril, oito perguntas à Secretaria de Segurança Pública do governo de João Doria (PSDB), mas não obteve resposta. A pasta foi questionada sobre o paradeiro das drogas apreendidas, por que não há informações sobre as drogas apreendidas no boletim de ocorrência, por que a vítima não foi levada ao hospital pela polícia, se os policiais foram afastados e por que os policiais usaram arma de fogo contra civis desarmados.

​No dia 19 de abril, a pasta disse apenas que um inquérito policial havia sido aberto para investigar o caso.

​”Todas as circunstâncias relativas ao caso são investigadas por meio de inquérito policial instaurado pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Santo André. A equipe da unidade realiza a oitiva de familiares da vítima e testemunhas. A Polícia Militar também apura os fatos por meio de Inquérito Policial Militar (IPM). Diligências estão em andamento visando a elucidação da ocorrência.”

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