Vidas negras importam https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br HIstórias, denúncias e referências para quem quer aprender, mudar e se desconstruir Tue, 07 Dec 2021 12:41:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Sobre bicicletas e vidas negras roubadas https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/06/20/sobre-bicicletas-e-vidas-negras-roubadas/ https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/06/20/sobre-bicicletas-e-vidas-negras-roubadas/#respond Sun, 20 Jun 2021 15:00:12 +0000 https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/bike--300x215.jpg https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/?p=92 O jornalista Janio de Freitas, a quem leio, publicou na sua coluna um texto do qual discordo fundamentalmente. O racismo, metamorfoseando o clichê de Antoine de Saint-Exupéry, também é invisível aos olhos. No entanto, a pele o sente bem.

Primeiro você não sente nada, é tudo muito rápido. Em seguida, o local fica quente, úmido, o sangue, grosso, deixa seu corpo e tinge a pele preta com o elixir da vida. E então a dor. Isso, evidentemente, se a bala não tiver deslizado pelos cabelos e atravessado o neurocrânio, responsável por proteger o cérebro. Neste caso, talvez não dê tempo de sentir nada.

O racismo é assim. Ele entra em nossos corpos num instante e, às vezes, sentimos a dor e reagimos, noutras vezes, só percebemos quando já é tarde demais.

A maior parte do racismo é essencial e estruturalmente dissimulada. Não é curioso que as balas perdidas sempre encontrem Ágatha, João Pedro, Marcus Vinicius apesar de ninguém ter gritado aos quatros ventos que iria disparar um fuzil contra uma criança negra porque ela era negra? Me pergunto se avisaram a mãe de Lucas, de 14 anos, que sumiu de sua casa e apareceu no IML, que o garoto teve sua vida roubada por ser preto.

O exercício do jornalismo nos obriga a ver por baixo do que é dito e, especialmente, o que não é dito. Usemos os dados que estão à nossa disposição para tentar analisar o entorno de maneira a entender o objeto central da análise.

Um homem negro tem 74% mais chance de ser morto do que um branco, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O levantamento feito pela Folha para a série Inocentes Presos (recomendo a leitura) mostra que, de 100 pessoas presas injustamente, 60 eram negras. Além de deixar evidente que as principais causas para as prisões são, veja só, reconhecimento incorreto (42 casos) e identificação incorreta (25 casos).

Objetivamente: o racismo é um crime cujas provas são de difícil produção porque o delito frequentemente acontece de forma velada e, além de ser velada, encontra em pessoas brancas com influência respaldo para que seja relativizado e sua ocorrência posta em dúvida.

O principal suspeito de roubar a bicicleta, um jovem branco morador de Botafogo conhecido pela polícia por justamente roubar bicicletas, foi solto. Lembra-se de Rafael Braga, preso por portar o perigosíssimo desinfetante Pinho Sol?

Por fim, devo dizer que eu concordo com Janio sobre as demissões do casal. Creio que as duas empresas perderam a excelente oportunidade de educar em vez de punir. Poderiam, por exemplo, contratar pensadores negros para um ciclo de palestras dedicados a todos os seus funcionários, incluindo o casal branco, para que o visto no vídeo e amplamente repercutido não acontecesse novamente por causa de nenhum dos seus colaboradores.

Não há respostas fáceis quando o assunto é racismo, mas podemos, juntos, construir soluções possíveis.

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Casal branco do Leblon pode ser enquadrado por calúnia e racismo, avaliam especialistas https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/06/15/casal-branco-do-leblon-pode-ser-enquadrado-por-calunia-e-racismo-avaliam-especialistas/ https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/06/15/casal-branco-do-leblon-pode-ser-enquadrado-por-calunia-e-racismo-avaliam-especialistas/#respond Tue, 15 Jun 2021 18:12:28 +0000 https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/WhatsApp-Image-2021-06-15-at-13.11.46-300x215.jpeg https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/?p=87 Reportagem: Rebeca Oliveira

Matheus Pereira, negro, instrutor de surf, esperava a namorada na tarde de sábado (12) em frente ao Shopping Leblon, no Rio de Janeiro, quando foi abordado por um casal branco que o acusou de roubar sua própria bicicleta elétrica. Se denunciado, o casal poderia ser enquadrado em crimes como calúnia e racismo.

O caso repercutiu rapidamente nas redes sociais. Na publicação que viralizou, Pereira diz ter tentado provar que a bicicleta era dele, com fotos antigas e a chave do cadeado. O casal só recuou na acusação depois de não ter conseguido abrir o cadeado da bicicleta com a chave que tinha. Ao notar que estava sendo filmado, o rapaz alegou que “não estava acusando, só estava perguntando”.

“São coisas que encabulam o racista. Eles não conseguem entender como você está ali sem ter roubado dele, não importa o quanto você prove”, disse Pereira.

O caso de Pereira não é isolado. Pessoas negras não raro são acusadas de furto quando aparecem publicamente com posses que, para os racistas, parecem fora de seu alcance financeiro. O ex-jogador de futebol Zé Roberto revelou em entrevista recente ao podcast PodPah que decidiu vender seu carro por ser constantemente abordado por policiais.

“Sem sacanagem, eu era parado pela polícia três vezes. Se eu não era parado, os caras [policiais] me seguiam e, quando eu chegava na porta da casa dela [de sua namorada], os caras: ‘Mão para cabeça! Sai [do carro]’! De quem é o carro?’. Isso foi muito constrangedor para mim. Isso fez com que eu vendesse o carro em três meses porque eu não tinha sossego ”, contou.

Levantamento feito pela Folha para a série Inocentes Presos mostra que das 100 pessoas presas injustamente cujo caso foi revelado pelos repórteres, 60 eram negras.

As duas principais causas para as prisões são reconhecimento incorreto (42 casos) e identificação incorreta (25 casos). Soa familiar? É porque é. O levantamento indica que negros são incorretamente reconhecidos em 71,5% dos casos contra 28,5% dos brancos.

Para o advogado voluntário do Educafro Iraupuã Santana o vídeo divulgado por Matheus revela dois crimes: calúnia e racismo. “O vídeo mostra a acusação de um furto que não ocorreu, o que constitui crime de calúnia, que é atribuir a outra pessoa um crime que não foi cometido. Mas também precisamos entender que isso somente aconteceu mediante racismo. Somente foi atribuído o crime porque o jovem em questão era negro.”

“É importante ressaltar aqui que a configuração como crime serve também para dar o devido nome a essas violências e agressões cotidianas, em especial contra jovens negros, que são reiteradamente normalizadas por uma sociedade que pensa que pode questionar o lugar, a propriedade e a liberdade de pessoas negras”, explica Thiago Amparo, advogado e colunista da Folha.

Os dois advogados avaliam que Matheus agiu corretamente em registrar o acontecido, já que a gravação se torna uma prova em eventual ação judicial. Além dos crimes de calúnia e racismo, o vídeo mostra que o casal tomou o cadeado em mãos e tentou inserir a própria chave para provar que a bicicleta era roubada.

“A tecnologia ajuda muito nesses casos de injúria racial e racismo. A situação deixa de ser a palavra de um contra outro”, diz Santana. “Além do uso em caso de ação penal, também tem um teor educativo. As pessoas têm que parar de achar que têm direito de questionar pessoas negras pela roupa que usam, pelo carro que dirigem ou por estarem perto de bicicletas elétricas.”

Segundo Amparo, o crime de calúnia pode ser denunciado somente por Matheus. Mas, caso haja o entendimento de que o caso se trata de uma ofensa ao grupo de pessoas negras como um todo, o Ministério Público pode entrar com ação penal contra o casal.

Identificado como Tomás Oliveira, o jovem branco no vídeo que acusa Pereira de roubar a bicicleta foi demitido pela Papel Craft, empresa em que trabalhava. Nas redes sociais, a empresa respondeu a comentários sinalizando o desligamento de Oliveira do quadro de funcionários. A Papel Craft disse à Folha que não se posicionaria sobre o assunto por enquanto.

Mariana Spinelli, professora do estúdio de dança Espaço Vibre e que aparece no vídeo com Oliveira, também foi demitida. Em publicação nas redes sociais a empresa disse não compactuar com racismo. “Repudiamos veementemente toda forma de discriminação e reafirmamos que o Vibre é um espaço que pratica e preza pelo respeito e pela inclusão”, diz o comunicado.

A reportagem não conseguiu contato com Oliveira ou Spinelli.

Colaborou: Matheus Moreira

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