Vidas negras importam https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br HIstórias, denúncias e referências para quem quer aprender, mudar e se desconstruir Tue, 07 Dec 2021 12:41:48 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Narloch distorce trabalho de historiadores para defender negacionismo da escravidão https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/09/30/narloch-distorce-trabalho-de-historiadores-para-defender-negacionismo-da-escravidao/ https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/09/30/narloch-distorce-trabalho-de-historiadores-para-defender-negacionismo-da-escravidao/#respond Thu, 30 Sep 2021 11:45:10 +0000 https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/vidas-negras-30-09-2021-foto-de-Danilo-Verpa_Folhapress-2-300x215.jpg https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/?p=170 O jornalista Leandro Narloch escreve em sua coluna “Luxo e riqueza das ‘sinhás pretas’ precisam inspirar o movimento negro” que “ativistas” deveriam se insipirar em sinhás pretas usando uma lógica liberal e meritocrática.

O texto sugere que os meus ancestrais, escravizados pelos ancestrais de homens brancos como o próprio Narloch, não conquistaram suas alforrias durante o período escravocrata por não terem trabalhado duro o suficiente para ter dinheiro que pagasse por sua liberdade.

Narloch lembra, com razão, que havia mulheres negras que tinham escravos, mas o faz por meio da exceção à regra.

“Ele pega as exceções, as retira do contexto e reforça a aceestrutura racista. Isso está não só no que ele diz, mas na forma como diz. O problema é ele tirar as exceções do seu lugar de exceções”, diz Ynaê Lopes dos Santos, doutora em história pela USP e especialista em história da escravidão nas Américas.

Ao sugerir que casos de mulheres negras ricas com escravos “certamente não eram raros”, o colunista deslegitima toda a história dos povos negros brasileiros e abre margem, por exemplo, para a supressão de políticas afirmativas sob a luz de uma suposta democracia racial.

“Aonde Narloch quer chegar? Ele quer deslegitimar a luta do movimento negro hoje. No limite, ele quer implodir com a política exitosa de ações afirmativas. Ele quer colocar isso em xeque do ponto de vista da legitimidade. Ele está politizando a leitura do passado para promover o embate com a luta racial hoje”, diz Petrônio Domingues, historiador, professor da UFS (Universidade Federal de Sergipe) e autor de “Protagonismo Negro em São Paulo” (ed. Sesc-SP).

As exceções às quais se apega o colunista confirmam a regra e, não somente, são tiradas de contexto por meio do trabalho de outros pesquisadores.

“Narloch utiliza uma pesquisa minha para a construção de um dos capítulos de seu livro ‘Escravos’. O livro é feito a partir do trabalho de outros pesquisadores, e Narloch seleciona [apenas] histórias que são quase exceções dentro do processo escravista no Brasil, como escravos que tinham escravos”, diz Juliana Farias, doutora em história pela USP, em participação no podcast “Humanas – Pesquisadoras em Rede”.

À Folha, Farias reiterou sua fala no podcast, “é um resumo [do que penso]”.

Professora-adjunta na UNILAB e do Programa de Mestrado em Estudos Africanos, Populações Indígenas e Culturas Negras da UNEB, além de ter pós-doutorado em História da África pela Universidade de Lisboa, Farias critica o uso das suas pesquisas por Narloch que, segundo ela, as tira de contexto “se apropriando de um trabalho de pesquisa para fins ideologicamente orientados”.

Domingues ressalta que as sinhás pretas de fato existiram, mas que não é possível dimensionar a representatividade do grupo. “O que as pesquisas comprovaram é que era um grupo minoritário. É capciosa a narrativa de Narloch porque ele tenta inverter e generalizar”, afirma.

De maneira similar, é possível notar que o trabalho do antropólogo Antonio Risério também é desvirtuado, uma vez que o próprio antropólogo reconhece que as histórias contadas em seu livro não foram suficientes para aplacar as desigualdades sociais brasileiras no período, como aponta a reportagem de João Gabriel Telles para a Ilustrada.

O argumento de que as sinhás pretas enriqueceram e assim superaram o preconceito também carece de evidência que o sustente. “Isso é puro anacronismo. Ele disse que as sinhás pretas ascendiam e eliminavam o preconceito. A mobilidade social não eliminava o preconceito. Isso é mentira”, afirma Domingues.

Manifestantes protestam em frente à Assembleia Legislativa do RJ contra a política de segurança do governo, no Rio de Janeiro. O ato acontece após a menina Ágatha Félix ser morta por uma bala perdida. 23.set.2019 | Foto: Ricardo Borges

Já para Santos, o fato de negros terem tidos escravos não muda a história da escravidão no Brasil. Ao contrário, a reforça. Para a historiadora, Narloch analisa o movimento negro e a escravidão de forma simplista.

“Ele está fazendo isso num espaço de privilégio que ele sabe, conscientemente, que tem. O que ele faz é o uso desonesto das pesquisas científicas feitas por historiadores. Ele reduz o movimento negro ao simplismo porque é a forma como ele consegue enxergar o movimento negro. Narloch faz uso da supremacia branca e tem a ousadia de nesse lugar falar pelo movimento negro”, conclui.

Sempre haverá entre nós, negros ou brancos, aqueles que discordam, que agem de má fé ou que nem sequer se importam o bastante para pensar a respeito de qualquer coisa. Na Folha, já houve avanços na discussão sobre a complexidade dos movimentos negros ao longo da história. Faria bem a Narloch ler o jornal para o qual escreve.

Leia mais sobre a desigualdade racial no Brasil:

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Artista lança projeto para discutir masculinidade de homens negros LGBTQIA+ https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/06/28/artista-lanca-projeto-para-discutir-masculinidade-de-homens-negros-lgbtqia/ https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/2021/06/28/artista-lanca-projeto-para-discutir-masculinidade-de-homens-negros-lgbtqia/#respond Mon, 28 Jun 2021 22:26:30 +0000 https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/Flip-Couto-em-Okó_-Masculinidades-Transatlânticas-300x215.jpg https://vidasnegrasimportam.blogfolha.uol.com.br/?p=113 O artista Flip Couto lançou nesta segunda (28) o projeto Okó: MasKulinidades Transatlânticas, cujo objetivo é estudar e expressar formas alternativas e saudáveis de masculinidade que não sejam embasadas pelas discussões sobre a violência racial e policial e sobre a sexualização dos corpos negros.

O projeto é multimídia, composto por zines (revistas independentes), uma temporada de cinco episódios de um podcast inédito, o Rádio Okó, e dois vídeos com uma performance artística que envolve o corpo, a moda e a ocupação da cidade para expressar sentimentos, tudo isso partindo das experiências de um homem negro e gay.

Couto explica que para além de toda a luta por sobreviência, tanto de homens negros como de pessoas LGBTQIA+, a masculinidade precisa ser repensada de maneira que não se paute somente pelas violências sofridas ou eventuais, mas também pelos sentimentos.

 

Flip Couto em Okó_ Masculinidades Transatlânticas - Foto: @Afr0P
Flip Couto em Okó_ Maskulinidades Transatlânticas – Foto: @Afr0P

Cerca de 57% dos homens brasileiros foram ensinados a não expressar emoções, de acordo com o levantamento “O Silêncio dos Homens”, divulgado em 2019 junto com um documentário homônimo —ambos produzidos pelo portal Papo de Homem. Participaram da pesquisa, por meio de formulários online, quase 20 mil homens de todo o Brasil.

A criação de garotos para que se tornem “machos” leva 4 em cada 10 adultos a se sentir solitários, de acordo com o estudo, mas não para aí. Há outras consequências correlatas, como transtornos de ansiedade (31%), insônia (24%), vício em pornografia (23%), depressão (23%) e pensamentos suicídas (15%).

“É um tema que já permeia a minha vida, a minha construção social e a artística, mas eu nunca havia olhado para isso. Há vários grupos que discutem masculinidade, há estudos, mas eu nunca me vi representado nessas rodas de conversas e nesses conteúdos, então pensei e refleti sobre quais eram as minhas referências de masculinidade e descobri que eram os meus amigos gays, as minhas amigas lésbicas, as pessoas do meu dia a dia”, diz Couto.

A masculinidade, embora seja lembrada como algo ruim, pode e deve ser ressignificada.

O documentário “O Silêncio dos Homens” aborda variados graus de violência que passam pela raça, orientação sexual e gênero, além do machismo e misoginia, frutos da masculinidade tóxica. Ainda de acordo com o filme, homens brancos estão no topo da pirâmide social de bem estar e oportunidades, enquanto os homens transsexuais negros estão na base e na maior parte das vezes sequer são reconhecidos como homens —fruto da transfobia.

Mergulhando dentro de si, como costuma dizer, o artista encontrou matéria para suas primeiras experiências, uma delas aconteceu em 2018 durante um festival. Na ocasião, Couto performou virtualmente poemas de um colega. “Eu escutei o trabalho dele com o meu corpo”, afirma.

O projeto Okó: Maskulinidades Transatlânticas foi contemplado pela Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, criada para socorrer artistas e trabalhadores de setores culturais durante a pandemia da Covid-19.

“Okó quer dizer homem em Pajubá [dialeto popular e usado pelos povos do santo e pela comunidade LGBTQIA+]. Queríamos [Couto e equipe] entender quem é esse homem nas diásporas negras do continente africano rumo às américas. É um trabalho que pesquisa as emoções desses corpos, que trabalha com a subjetividade, e tudo isso em relação com a rua, com as pessoas”, diz.

Serviço:

Temporada de Okó: Maskulinidades Transatlânticas

Período exposição: De 28 de Junho à 04 de Julho
Dias: Segunda à domingo
Horário: 20h
Via Sympla: https://www.sympla.com.br/oko__1239060

1ª temporada do Podcast Rádio Okó

28/06 – Viny Rodrigues: Falocracia e as Falácias do Homem
05/07 – Pedro Guimarães: Poéticas de um Corpo Negro Bixa
12/07 – Formigão: Ser Sapatão Preto
19/07 – Caru de Paula: Trans masculinidades, Memória e Saúde mental
26/07 – Neon Cunha: Cissexismo e a Performance de Gênero

Zines

Quantidade: 400 unidades
Locais: Centro de Culturas Negras (Jabaquara), Centro Cultural da Juventude (Vila dos Andrades), Centro Cultural Tendal da Lapa (Água Branca), Centro Cultural Vila Formosa, Centro Cultural São Paulo (Paraíso) e Centro Cultural Olido (Centro Histórico)

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