Jovem negro morre após ser baleado por PM e ter socorro por familiares negado
Cerca de 20 pessoas estavam reunidas entre as vielas 12 e 16 da Favela do Lamartine, em Santo André, no ABC Paulista, na noite em que o ajudante de pedreiro Victor dos Santos Lima, 22, morreu após ser baleado pelo policial militar Bruno Palagano Pereira, 30.
Ana Cristina dos Santos Vitorino, 45, mãe de Victor, disse à Folha que chegou ao local cerca de 15 minutos após o filho ter sido baleado e que nada pôde fazer porque os policiais a impediram de prestar socorro.
Ela afirma também que seu filho permaneceu sangrando por cerca de duas horas até a chegada de uma ambulância do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência).
“Eu pedi para ver o meu filho, não deixaram. [O policial] Me respondeu com palavras de baixo calão. Eu abaixei a cabeça. Só pedia para que pelo amor de Deus deixassem eu ver o meu filho. Mataram ele covardemente. Mesmo que ele estivesse errado, não é assim. Estão mentindo. Disseram que foi apenas um tiro, mas no vídeo dá para ver que foi mais”, disse.
Em um vídeo obtido pela família (veja abaixo) é possível ouvir pelo menos dois disparos consecutivos. Mas, no boletim que relata a ocorrência, consta o registro de apenas um disparo no local.
Ana Cristina afirma ainda que o filho deixou o local já sem vida. O boletim de ocorrência, no entanto, indica que Victor teria morrido a caminho do Centro Hospitalar Municipal de Santo André.
Victor era uma das pessoas reunidas que conversavam e ouviam música entre as vielas 12 e 16 quando uma patrulha da Polícia Militar abordou de forma truculenta um jovem de cerca de 19 anos que, segundo testemunhas, tem transtornos mentais e é conhecido na região. Os policiais disseram que o jovem transportava “porção considerável de drogas”.
Os ânimos se exaltaram quando os moradores ouviram de um policial que o jovem abordado seria levado para a represa Billings, que na região é conhecida apenas como “a represa” e como um local de desova de corpos.
De acordo com o depoimento dos PMs, registrado em boletim de ocorrência na madrugada do dia 13 de março, o jovem chegou a ser algemado, mas fugiu após moradores impedirem que ele fosse levado.
Na confusão, ainda segundo versão oficial da PM, um dos policiais, Felipe Matheus de Oliveira da Silva, 25, foi atingido por uma pedra. No vídeo é possível ver o momento e a reação do policial, que usou gás de pimenta para afastar os moradores. Foi durante a confusão que o policial Bruno Palagano disparou contra Victor.
Sobre a droga encontrada com o jovem, a polícia ainda não esclareceu a quantidade e nem se, de fato, ela estava em sua posse.
Uma testemunha, que não quis se identificar, afirmou que os policiais ameaçaram o jovem que tinha transtornos mentais e que os moradores, então, tentaram defendê-lo. O rapaz, segundo pessoas ouvidas pela reportagem, era amigo de infância de Victor. O que teria alarmado o grupo e motivado a reação foi o receio de que o jovem tivesse o mesmo destino de outro morador da região morto em 2019 e cujo corpo teria sido desovado na represa.
Em fevereiro de 2019, o corpo de Lucas Eduardo Martins dos Santos, 14, que morava na Favela do Amor, próxima a Favela do Lamartine, foi encontrado boiando dois dias depois de ter desaparecido, trajando apenas uma cueca e meias. Segundo familiares, na última vez em que foi visto vivo, o adolescente estava sendo abordado por um um grupo de policiais militares.
Para Jaqueline Aparecida Silva Alves Correa, advogada e articuladora da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, organização que acompanha o caso de Victor, o boletim de ocorrência contém inconsistências grotescas.
Correa cita, por exemplo, o sumiço da droga que teria sido apreendida antes da confusão. “Se a polícia já havia feito a prisão da primeira pessoa e apreendido uma pochete de drogas, onde foram parar essas drogas? No vídeo, o menino está no chão e quando ele corre não é possível ver nada. Por que as drogas não foram relatadas no boletim de ocorrência?”, questiona.
A Rede é uma organização que une movimentos sociais, profissionais e moradores das periferias de São Paulo na busca por proteção contra violência de estado.
A Folha acompanhou uma manifestação organizada pela Rede de Proteção e junto com a família de Victor. Os presentes pediam a apuração do caso e a responsabilização dos policiais envolvidos. A mãe de Lucas Eduardo estava presente.
Durante a manifestação, pelo menos dez viaturas em carreata deram voltas na praça e seguiram os manifestantes a distância durante todo o trajeto (veja a carreata abaixo).
Victor é mais um jovem negro morto pela polícia. O seu caso, como os demais registros de violência nas periferias do Brasil, começa numa abordagem policial —que possui regras para ser executada.
Outro lado
A reportagem enviou, no dia 17 de abril, oito perguntas à Secretaria de Segurança Pública do governo de João Doria (PSDB), mas não obteve resposta. A pasta foi questionada sobre o paradeiro das drogas apreendidas, por que não há informações sobre as drogas apreendidas no boletim de ocorrência, por que a vítima não foi levada ao hospital pela polícia, se os policiais foram afastados e por que os policiais usaram arma de fogo contra civis desarmados.
No dia 19 de abril, a pasta disse apenas que um inquérito policial havia sido aberto para investigar o caso.
”Todas as circunstâncias relativas ao caso são investigadas por meio de inquérito policial instaurado pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Santo André. A equipe da unidade realiza a oitiva de familiares da vítima e testemunhas. A Polícia Militar também apura os fatos por meio de Inquérito Policial Militar (IPM). Diligências estão em andamento visando a elucidação da ocorrência.”